Se você idealiza abrir uma startup com um sócio, muito provavelmente pensa em começar pelo registro da sociedade na Junta Comercial, escolha da denominação e objeto sociais, definição do investimento inicial que cada sócio deverá realizar, desenvolvimento do software… enfim, diversos fatores inerentes à criação de um negócio.

Mas, para começar uma startup, é realmente necessário ter todos esses elementos planejados, definidos e, até mesmo, formalizados?

A resposta (e recomendação) é: não.

Primeiramente, vale ressaltar que, além de estarem diretamente relacionadas à tecnologia e à escalabilidade, as startups estão intimamente conectadas ao risco, principalmente na fase de desenvolvimento do Mínimo Produto Viável (Minimum Viable Produt, o MVP). Nesta etapa, nem os fundadores sabem, ao certo, se a criação do produto idealizado é viável ou não, como deverá ser usado, se tem relevância e adesão do mercado, dentre outras indagações intrínsecas à ideação de uma startup

Para Eric Ries, em seu livro “A Startup Enxuta”, uma startup pode ser definida como uma “instituição humana projetada para criar novos produtos e serviços sob condições de extrema incerteza”. 

Considerando que as startups nascem em ambiente repleto de incertezas, é natural que testes e validações sejam feitos antes que estas possam crescer. Deste modo, formalizar o nascimento de uma startup já com a constituição de uma sociedade devidamente registrada na Junta Comercial competente pode, de forma prematura, engessar, desnecessariamente, o desenvolvimento do negócio – que, principalmente em estágio inicial, é imprevisível e exige determinada maleabilidade para que possa sofrer os ajustes necessários à sua perpetuidade.

Neste cenário de incerteza, de testes e de alinhamentos, o melhor a se fazer é celebrar um Memorando de Entendimentos – que no âmbito das startups, é comumente intitulado de Founder’s Agreement. No site do IBGC (Instituto Brasileiro de Governança Corporativa) é possível encontrar um manual para a celebração de um Founder’s Agreement.

Qual a vantagem de celebrar um Founder’s Agreement?

O Founder’s Agreement nada mais é do que um Memorando de Entendimentos (MoU, do inglês, Memorandum of Understanding), instrumento prévio que confere segurança às partes que estão estabelecendo um vínculo, ainda que instável. É um documento no qual as partes definem as condições gerais por meio das quais envidarão esforços para a consumação do negócio idealizado, bem como quais aspectos são considerados como fundamentais e inegociáveis para cada um dos envolvidos.

Para quem pretende começar uma startup, um Founder’s Agreement é o documento ideal!

E o que este documento pode prever?

Um Founder’s Agreement pode regular a relação dos sócios e conferir estabilidade, na exata medida, para a relação que está sendo construída. O memorando figura como um compromisso de celebração futura de um ou mais contratos principais (geralmente um contrato social e um acordo de sócios).

Algumas disposições que podem ser previstas no Founder’s Agreement e que, inevitavelmente, alinharão as expectativas entre os sócios, são: 

(i) contribuição de cada sócio no desenvolvimento do negócio, seja por meio do investimento de capital financeiro ou intelectual;
(ii) a participação no capital social que cada um fará jus, de acordo com o investimento inicial realizado;
(iii) as atividades que serão exercidas pela sociedade;
(iv) tempo mínimo de dedicação de cada um dos sócios ao negócio;
(v) recebimento de pro-labore pelos sócios dedicados;
(vi) aportes futuros;
(vii) os deveres e obrigações de cada sócio;
(viii) a cessão da propriedade intelectual desenvolvida ao negócio pelos sócios;
(ix) dever de não competição;
(x) dever de confidencialidade;
(xi) hipóteses de retirada (pela desistência, invalidez, falecimento de um dos sócios) e de ingresso de sócios (executores ou investidores);
(xii) eventual reembolso para os sócios que se retirarem (evitando-se, assim, a descapitalização dos outros sócios);
(xiii) modo de tomada de decisão (por maioria, unanimidade, voto afirmativo do CEO em matérias consideradas com sensíveis, dentre outras) e de resolução de eventuais impasses (cláusula de roleta-russa, shot-gun, eleição de terceiro conciliador, etc.); e
(xiv) outras condições compreendidas como basilares para que a startup possa avançar sem grandes surpresas.

Além de conferir alinhamento, o Founder’s Agreement também proporciona certa flexibilidade nos termos negociados entre as partes. Na celebração do referido instrumento, as condições foram estipuladas em um contexto de risco e dúvida, as quais, com a evolução das atividades, podem ter sofrido mutações. Por isso é importante que o Founder’s Agreement abranja apenas os objetivos e diretrizes gerais do negócio, sem adentrar na definição de seu modus operandi

Em caso de uma pivotagem – mudança brusca na estratégia inicial do negócio que pode culminar no desenvolvimento de um MVP diverso daquele previamente estipulado para a startup – por exemplo, o Founder’s Agreement permaneceria vigente, pois o cerne do negócio idealizado continua o mesmo.

É, portanto, imprescindível que as disposições estipuladas sejam passíveis de modificações e de aperfeiçoamentos. O Founder’s Agreement permite que estratégias sejam redesenhadas, valores ajustados, obrigações e direitos readequados, sem comprometer a essência do compromisso firmado. É um documento teste, passível de alterações. 

Em um cenário de insucesso do MVP, por exemplo, o Founder’s Agreement provê maior facilidade na desistência de um dos fundadores. Rescinde-se o Founder’s Agreement e, caso um dos fundadores decida por perseverar o sonho da startup, seguirá com a construção desta, tendo, inclusive, seus direitos de exploração da propriedade intelectual desenvolvida resguardados, bem como garantidos os deveres de confidencialidade, não concorrência e não aliciamento do fundador desistente. É mais fácil rescindir um contrato do que dissolver, liquidar e apurar os haveres de uma sociedade.

E como saber quando, finalmente, chegou a hora de constituir a sociedade?

A celebração do Founder’s Agreement pode vincular o atingimento de determinadas metas ou gatilhos (como, receita superior a um valor determinado, alcance de um número de clientes, ou finalização do desenvolvimento do código-fonte do software, solicitação pelo cliente de emissão de nota fiscal, por exemplo), à concretização das condições mínimas pactuadas. Portanto, serão válidos para a constituição da sociedade os pontos pré-combinados, evitando-se, assim, surpresas, conflitos e, até mesmo, decepções. 

Caso ainda não tenha ficado claro…

A celebração de um Founder’s Agreement traz as seguintes vantagens para a construção de uma startup juridicamente segura:

  • Economia de recursos;
  • Alinhamento de expectativas;
  • Conferência de segurança e previsibilidade mínimas;
  • Precedentes de governança da sociedade;
  • Mitigação de riscos; e
  • Definição de condições fundamentais para celebração de um contrato social.

Por fim, constituir formalmente uma sociedade logo na fase de ideação de uma startup gera uma relação demasiadamente estável para um momento que, por natureza, é instável. Contar com uma assessoria jurídica especializada neste momento faz toda a diferença para que sejam desenvolvidos contratos que se encaixem no seu momento de operação, e não para que o seu momento de operação tenha que se encaixar num determinado modelo de contrato.

Quer saber mais sobre esse e outros temas jurídicos? Acesse nossos artigos e fique por dentro!

Compartilhe

Matérias relacionadas

Contratos digitais: título executivo extrajudicial sem testemunhas

Contratos

A dispensa de testemunhas nos contratos firmados digitalmente
Mútuo Conversível: o essencial para empreendedores e investidores

Contratos

Mútuo Conversível: o mínimo que empreendedores, startups, investidores e advogados devem saber

    Li e concordo com os termos da Política de Privacidade

    Entre em
    contato