Apesar de se tratar de costume bastante enraizado na cultura jurídica, a razão da necessidade da assinatura de duas testemunhas nos contratos particulares não é amplamente difundida. Aliás, a verdade é que os contratos particulares não prescindem – nem nunca prescindiram – da assinatura por duas testemunhas para cumprir os requisitos de existência, validade e eficácia, que são indispensáveis para a formalização do negócio jurídico, especialmente quando se busca obter um título executivo extrajudicial.

Sabendo disso, questiona-se: por que se tornou hábito coletar a assinatura de duas testemunhas nos contratos particulares? 

A presença de duas testemunhas no momento da assinatura de um contrato particular se relaciona com a função de atestar a autoria e integridade das assinaturas dos contratantes, o que faz com que o contrato particular seja também um título executivo extrajudicial. 

Nesse sentido, ter em mãos um título executivo extrajudicial é mais interessante que ter um simples contrato particular. Isso porque, ao se deparar com o inadimplemento por parte de um dos signatários, a parte inocente do contrato particular desacompanhado de testemunhas deverá ingressar com uma ação de conhecimento e aguardar a prolação de sentença favorável (com trânsito em julgado), para então poder executar judicialmente a obrigação inadimplida. 

Já a parte inocente de um título executivo extrajudicial pode promover a execução judicial da obrigação inadimplida independentemente de prévia ação de conhecimento e/ou sentença.  

Então, o que mudou com a inclusão do § 4º, ao artigo 784, do Código de Processo Civil¹, que previu a desnecessidade da assinatura de suas testemunhas nos contratos particulares firmados digitalmente?

A alteração da lei surge com o intuito de reconhecer que os provedores de assinatura digitais suprem e substituem a função das testemunhas, pois também têm por finalidade atestar a autoria e integridade das assinaturas dos contratantes

Este já vinha sendo o posicionamento aplicado pelos tribunais, conforme decisão do Superior Tribunal de Justiça que, ainda em 2018, entendeu que “A assinatura digital de contrato eletrônico tem a vocação de certificar, através de terceiro desinteressado (autoridade certificadora), que determinado usuário de certa assinatura a utilizara […]. Em face destes novos instrumentos de verificação de autenticidade e presencialidade do contratante, possível o reconhecimento da executividade dos contratos eletrônicos.”²

De todo modo, ainda é preciso ter cautela, pois a legislação brasileira prevê diversas classificações para as assinaturas eletrônicas, com base em seu nível de confiança sobre a identidade e manifestação de vontade do signatário³. Este tema, porém, será melhor aprofundado em novo artigo, dado sua relevância para as contratações em geral.

Enfim, o cenário atual é que o contrato firmado por assinaturas digitais será automaticamente um título executivo extrajudicial, independentemente da coleta das assinaturas de testemunhas, conforme previsão legal e recentes decisões judiciais.


¹ CPC/2015: Art. 784. […] § 4º Nos títulos executivos constituídos ou atestados por meio eletrônico, é admitida qualquer modalidade de assinatura eletrônica prevista em lei, dispensada a assinatura de testemunhas quando sua integridade for conferida por provedor de assinatura.
² REsp n. 1.495.920/DF, relator Ministro Paulo de Tarso Sanseverino, Terceira Turma, julgado em 15/5/2018, DJe de 7/6/2018.
³ Lei n.º 14.063/2020: Art. 4º. […] § 1º Os 3 (três) tipos de assinatura referidos nos incisos I, II e III do caput deste artigo caracterizam o nível de confiança sobre a identidade e a manifestação de vontade de seu titular, e a assinatura eletrônica qualificada é a que possui nível mais elevado de confiabilidade a partir de suas normas, de seus padrões e de seus procedimentos específicos.

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