O contrato de Mútuo Conversível é o principal instrumento utilizado no contexto de investimentos em startups, especialmente daquelas em estágio inicial, nas rodadas denominadas Family, Friends and Fools até as rodadas de investimento “Série A”.

Por meio do Mútuo Conversível, o investidor empresta recursos ao negócio investido e, uma vez que se verifiquem determinados eventos indicativos de sucesso ou na data de vencimento, converte o valor aportado em participação societária ou, em alguns casos, recebe o valor investido, corrigido, na forma pactuada.

Além das já conhecidas vantagens do modelo, que evita o desenquadramento prematuro das startups do regime tributário do simples nacional; posterga a transformação do tipo societário de sociedade limitada para anônima; e protege os investidores dos passivos dos negócios, o contrato de Mútuo Conversível ainda confere a devida liberdade para que investidas e investidores definam as regras que regerão a relação a ser estabelecida. Não obstante tenha sido introduzido na legislação brasileira em 2021 (no inciso IV do artigo 5º da Lei Complementar nº 182/2021 – o Marco Legal das Startups), a positivação pouco alterou as práticas do mercado.

Inspirado no modelo das Convertible Notes, ou Convertible Debts, amplamente difundidos nos Estados Unidos da América – onde a indústria de Venture Capital é suficiente madura – o Mútuo Conversível vem sendo utilizado pelos diversos atores deste ecossistema em nosso país há tempos suficientes para que, em linha com os modelos utilizados no exterior, possamos afirmar que existem determinadas disposições “padrão” que devem constar em todos os instrumentos desta natureza.

Idealmente e em linhas gerais, os contratos de mútuo conversível devem prever dois grandes desfechos: um final feliz, e um final nem tão feliz assim. Por final feliz, consideram-se novas rodadas de investimento a um valor de mercado maior e liderada por investidores qualificados, uma aquisição que conferirá um bom retorno aos empreendedores e investidores, ou a criação de uma companhia pagadora de dividendos.

Por final nem tão feliz, têm-se a ocorrência de dissolução e liquidação do negócio, uma recuperação judicial, uma falência, uma venda por um valor inferior ao negociado entre os contratantes e, em casos extremos, o descumprimento do contrato por parte dos empreendedores – que pode variar desde a utilização dos recursos para fins diversos do contratado até uma quebra de declarações e garantias fundamentais que ocasione danos ao negócio (por exemplo, algum terceiro legitimamente reivindicando os direitos autorais sobre o software).

Até o “final”, obviamente, os empreendedores têm interesse em gerir o negócio de forma não engessada, contar com os investidores quando preciso, ao passo que os investidores têm interesse em saber sobre o andamento das atividades sociais e exercer determinada influência em questões sensíveis, sempre com o intuito de maximizar as possibilidades de “final feliz” da startup.

Neste sentido, elencamos abaixo as matérias que consideramos essenciais em todo o contrato de mútuo conversível, que alinham os interesses entre os envolvidos e conferem previsibilidade aos eventos “previsíveis”. São elas:

i) o valor e a forma de aporte;
ii) a data de vencimento;
iii) o tratamento a ser conferido ao mútuo na data de vencimento (se convertido em participação societária, cobrado em dinheiro, perdoado ou prorrogado);
iv) os eventos de conversão (facultativa – a critério dos investidores – ou obrigatória – previamente a uma rodada de investimento qualificada ou a venda de parte substancial ou de todo o negócio);
v) a forma de aferição do percentual de participação societária a que o investidor fará jus (se por um valuation pré-fixado ou a ser aferido em uma rodada futura, sobre o qual pode ser aplicado um desconto – que geralmente varia de 10 a 30%);
vi) os atos que devem ser praticados no momento de conversão (seja a transformação da startup em sociedade anônima, com o aumento de capital social por meio da capitalização do crédito dos investidores e a emissão de ações aos mutuantes, quando a conversão ocorre no Brasil; ou a cessão do crédito para uma holding a ser criada pelos fundadores no exterior, que será detentora de 100% do capital social da empresa brasileira, e contra a qual os investidores exercerão o direito de conversão);
vii) os direitos que os investidores terão durante a vigência do mútuo (tais como: direitos a informação e auditoria; matérias que dependerão de anuência prévia dos investidores ou de voto afirmativo ou veto; direito à nomeação de um membro para o conselho consultivo; direitos de follow on para manter a posição em novas rodadas de investimento; e direito de exigirem o vencimento antecipado, em situações mais críticas como dissolução do negócio, falência ou descumprimento contratual);
viii) as obrigações dos sócios fundadores (de não alienação da participação do negócio por um tempo mínimo – o denominado lock up; de dedicação exclusiva ao negócio com as consequentes penalidades em caso de descumprimento – como uma recompra, por exemplo; de não concorrência; não aliciamento de funcionários, clientes e fornecedores; manutenção de toda a propriedade intelectual como de titularidade da sociedade; do envio de relatório periódicos, dentre outras);
ix) os direitos dos investidores em eventos de liquidez: de receberem ao menos 1x o valor do mútuo se por um valuation inferior ao de ingresso, seja por meio de cessão do crédito ou conversão com a venda de ações – a liquidation preference; ou de conversão como o consequente exercício de tag along (direito de venda conjunta) em caso de vendas relevantes;
x) os direitos dos investidores posteriormente à conversão, tanto das ações a serem por eles detidas quanto para constarem em acordos de acionistas (direito de voto afirmativo em determinadas matérias ou veto; de eleição de um membro no conselho; direito de preferência para aquisição de participação; de tag along; e direito de put option); e
xi) demais direitos a serem descritos em acordo de acionistas (como um direito de os sócios majoritários que receberem uma proposta para venda de 100% do negócio poderem exigir que todos os demais acionistas sejam vendidos em conjunto – o Drag Along; além das demais cláusulas que devem constar em acordos de acionistas).

Por fim, importante destacar que o presente artigo não tem a pretensão de abordar os cuidados que devem ser adotados na redação dos mútuos conversíveis para conferir eficácia e exequibilidade aos documentos, nem tampouco esgotar o universo de interesses e possibilidades acerca de cada uma das matérias descritas acima – para as quais, dada a relevância e profundidade para os atores do ecossistema, entendemos que devem ser objeto de artigos específicos.

De todo modo, seja para startups e/ou para investidores, contar com uma assessoria altamente especializada no contrato de mútuo conversível também faz parte da construção de valor e da mitigação de riscos durante todo o caminho.

Quer saber mais sobre esse e outros temas jurídicos? Acesse nossos artigos e fique por dentro!

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